sábado, 24 de novembro de 2007

PARA ONDE CAMINHAM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA AMÉRICA LATINA


Dois fatos em países distintos da América Latina , Brasil e Venezuela, demonstram bem as preocupações dos que juristas que defendem os direitos fundamentais como valores essenciais para a democracia e para o respeito da dignidade da pessoa humana.

No Brasil, o caso da jovem de 15 anos de idade colocada numa cela de delegacia com 20 homens durante 26 dias no estado do Pará, e o pior, por decisão de uma delegada de polícia que estava de plantão, passando pelo titular, pela comunicação da prisão abusiva e ilegal ao Poder Judiciário ao Ministério Público, se tornou referência do descaso em relação a direitos fundamentais básicos.

Há alguns anos atrás, em Aracaju, um delegado de polícia também cometeu o mesmo crime contra uma funcionária das lojas C&A localizada em um Shopping da capital sergipana, porém o abuso e o arbítrio duraram somente uma noite, não minimizando a gravidade do ato que afronta a ordem jurídica constitucional.

No Pará, os casos agora são multiplicados pela mídia e até mesmo reconhecidos pelas autoridades que deveriam zelar pelo cumprimento da Constituição Federal e pelas leis do país, inclusive os membros do judiciário, os integrantes do ministério público e a governadora daquele estado do norte brasileiro.

Não há dúvidas que a omissão das autoridades e a inércia da sociedade civil, que acompanha a histeria midiática das questões sobre a criminalidade e a violência no Brasil, são os grandes responsáveis para que fatos dessa natureza ocorram todos os dias em todo o país.

A crença do jornalismo brasileiro que as condições abjetas do sistema carcerário e penitenciário do país são a melhor resposta que se pode dar aos criminosos condenados e aos presos que apenas respondem a inquéritos ou processos, tem contribuído para a omissão do Estado e a inércia da sociedade civil.

Este fato despertou da letargia a sociedade apenas quando tomou rumos internacionais, se isto não ocorresse com toda a certeza seria apenas mais um caso e descaso na vida da polícia e da justiça do Brasil.

Em Sergipe as delegacias estão abarrotadas de presos em condições piores do que os porões dos navios negreiros tão bem retratados pelo bardo Castro Alves em poema homônimo. Aqui, alguns juízes tem tido a coragem de determinar a interdição de delegacias que ameaçam a integridade física dos presos e dos policiais que nelas trabalham. Espera-se que o governo do estado, responsável pelo sistema penitenciário estadual e pela segurança pública não espere que casos como os do Pará cheguem a acontecer e se torne notícia no mundo inteiro.

Depois do filme “Tropa de elite”, o caso do Pará, cuja vítima foi violentada sexual com a conivência e co-autoria das autoridades policiais, do ministério público e do judiciário paraenses, foi a gota d’água que transbordou a paciência em relação ao respeito aos direitos fundamentais, tão usados por políticos de todos os credos partidários em busca do poder, porém na prática totalmente esquecidos posto que investir no respeito à dignidade da pessoa humana não mantém os eleitores reféns da prática assistencialista e oportunista, ao contrário garantiria a independência e a autonomia de milhões de brasileiros que vivem em condições sub-humanas.

O outro fato ocorreu na Venezuela cuja memória de Simon Bolívar vem sendo vilipendiada pelo General e ditador Hugo Chávez que ainda encontra apoio de outros países latinoamericanos, entre eles o Brasil, em sua tresloucada experiência de desrespeitar todas as conquistas dos direitos fundamentais, especialmente dos valores democráticos, com o arremedo de constituição que tenta impor ao povo venezuelano, povo pobre e submisso ao assistencialismo chavista.

A última do bravatista Chávez foi ofender publicamente o arcebispo de Caracas e os reitores das universidades daquele país porque defenderam o respeito aos direitos fundamentais e acusaram diretamente o general presidente de desrespeitar os direitos básicos do cidadão da Venezuela.

A preocupação é maior ainda quando ouvimos declarações de chefes de estado da América Latina apoiando as insanidades do presidente venezuelano, inclusive o presidente Lula e o presidente da Argentina Nestor Kirchner, que deveriam preocupar-se na manutenção de uma América Latina democrática após tantas décadas de ditaduras e de desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.

Ao bater palmas para as maluquices do general Hugo Chávez os chefes de estados latinoamericanos estão contribuindo para que se estabeleça um novo ciclo de autoritarismo no continente.

A sociedade civil não pode ficar inerte e nem se deixar anestesiar pelas fantasias e fetiches dos que defendem a violência de Estado como forma de resolver os graves problemas sociais do sofrido povo da América Latina.

domingo, 11 de novembro de 2007

II SEMANA JURÍDICA DA FASE FOI SUCESSO

Aconteceu nos dias 08, 09 e 10 de novembro no Centro de Convenções de Aracaju, Sergipe, a II SEMANA JURÍDICA DA FACULDADE DE SERGIPE - FASE, com a presença de nomes expressivos da cultura jurídica nacional a exemplo de Walber de Moura Agra, Alexandre Morais da Rosa, Gustavo Ferreira Santos, Lúcio Grassi e Márcia Brandão, além de juristas locais e não menos expressivos como Daniela Carvalho Almeida da Costa, José Anselmo de Oliveira, Míriam Coutinho, Fernando Monteiro, Arnaldo Aguiar Machado Junior, Adélia Pessoa, Ricardo Ribeiro, Eduardo Matos, entre outros.
O promotor de justiça em Sergipe e Coordenador do curso de direito da FANESE disse que " a semana jurídica da FaSe foi o maior evento jurídico do ano em Sergipe" ressaltando o elevado nível das palestras e debates.
Cerca de 500 inscritos, a maioria alunos da FASE, participaram da semana que teve como eixo temático "Desafios do direito na contemporaneidade: novos olhares", e mesas sobre a "Densificação da jurisdição constitucional", "Contemporaneidade e diversidade cultural", "Liberdade de imprensa e direito à privacidade", "A decisão penal", "Processo civil" e "Direito internacional e meio ambiente".

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

É possivel a pena de "castração química"?


No Senado e na Câmara Federal existem propostas para alterar o código penal brasileiro acrescentando um novo tipo de pena: a castração química.
Alegam os seus defensores, o deputado federal Mendonça Prado e o senador Gerson Camata, que aplicação de drogas que reduzem o hormônio masculino seria a solução para os autores de crimes sexuais, principalmente os pedófilos.
No clima de violência generalizada e do aumento dos crimes de pedofilia, a mídia com certeza, sem entrar em um debate técnico-científico, apoiará as propostas pois contam de saída com o gosto de vingança.
A repercussão na mídia terá um efeito na população de um modo geral de resgatar o sentimento de retribuição da pena, ou seja, de fazer o autor do delito"pagar" de algum modo e preferentemente de forma gravosamente proporcional ao mal praticado.
Duas questões surgem:
1.a primeira de natureza constitucional, e a pergunta seria sobre a constitucionalidade da proposta. A princípio a nossa Constituição proibe o estabelecimento de penas cruéis - inciso XLVII, do art. 5º - e, também, garante a integridade física e moral dos presos - inciso XLIX, também do art. 5º. O significado de "penas cruéis" é amplo e certamente vingando a proposta legislativa, o STF será provocado para definir se a "castração química" seria considerada pena cruel. Do mesmo modo, há de se discutir se a pena em comento vindo a se tornar lei não fere a integridade física do apenado.
2. a segunda questão é de natureza criminal e envolve não somente a análise criminológica, mas também os aspectos clínicos e será imprescindível a contribuição dos especialistas médicos das áreas da endocrinologia e psiquiatria, além da psicologia, para verificar se a redução hormonal efetivamente seria uma resposta ao problema. É sabido que alguns tratamentos hormonais podem causar doenças, inclusive o câncer. Além do que a questão do "desejo sexual" não é simplesmente uma questão bioquímica, pode ser também de natureza psicológica, e não impedirá que o "castrado quimicamente" venha novamente cometer delitos sexuais.

O debate está apenas começando e é importante que os profissionais das áreas afins sejam ouvidos e a discussão não fique apenas no plano emocional.

É importante que a opinião pública não se limite a transformar a solução penal como única para os casos de violência sexual. O Estado brasileiro tem a obrigação de cuidar da saúde física e mental dos seus cidadãos, portanto, em boa parte dos casos de violência sexual estamos diante de pessoas com transtornos mentais que necessitam de tratamento médico adequado e não apenas da aplicação de penas.

Concluindo, ainda que seja ultrapassada a questão da constitucionalidade, existirá a questão médica que não deve se limitar a uma opinião.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Estado Policial versus Estado de Direito


Aconteceu em São Paulo, de 08 a 11 de outubro, o 13º Seminário Internacional de Ciências Criminais promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, e um dos temas centrais tem sido a discussão sobre o reflexo do medo da sociedade e do papel da imprensa no mundo inteiro para o retrocesso grave no uso do direito penal como instrumento de contenção da criminalidade e da violência.
Um dos mais respeitados criminalistas da Espanha, José Luis Díez Ripollés, da Universidade de Málaga, criticou duramente o uso pelos políticos de todas as tendências de criar cada vez mais leis muito duras no sentido penal e que não resolvem o problema da criminalidade comum em face do terrorismo, especialmente após o 11 de setembro de 2004 em New Yorque, nos Estados Unidos.
Não se pode negar que, principalmente nos países de baixa criminalidade e de alto poder aquisitivo, a resposta dada a ameaça do terrorismo seja da Al Quaeda ou de outro grupo qualquer, inclusive os locais como o caso do ETA na Espanha e das FARC na Colômbia, provoca uma histeria nos políticos que buscam atender a opinião popular objetivando muito mais garantir os votos dos eleitores do que mesmo contribuir na luta contra essas formas de violência. Primeiro porque os políticos desconhecem a questão da violência e também não conseguem distinguir os fatores, as nuances e as soluções para questões diversas: a criminalidade e a violência em sentido amplo, e colocam tudo no mesmo plano. Segundo porque os objetivos imediatistas do encarceramento e do endurecimento das medidas de controle não respondem de maneira eficiente aos problemas existentes.
No Brasil o problema é mais grave porque além do populismo político, de uma imprensa sem especialização e sem um preparo intelectual para discutir os temas da criminalidade e da violência com raras exceções, se soma até mesmo membros do ministério público, magistrados e advogados, que defendem o endurecimento das penas sem analisar as conseqüências em um país que tem um dos piores sistemas carcerários do mundo e que não possui políticas sociais para combater a miséria, e nem políticas criminais claras para combater a violência da corrupção nos altos escalões dos poderes, na polícia e nos presídios.
Beira a irresponsabilidade a defesa da redução ou do desrespeito às garantias constitucionais em nome da segurança e da ordem, apenas um sofisma, uma deslavada mentira, que mantém afastada a verdadeira responsabilidade criminal de atores importantes.
Evidencie-se que não se deve fazer proselitismo quando se defende as garantias constitucionais, não é o respeito a essas garantias que dificultam o combate ao crime, o que torna difícil no combate ao crime é o envolvimento cada vez maior das camadas mais abastadas e poderosas da sociedade, os mesmos que muitas vezes defendem o endurecimento das penas, mas para os outros.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O mau exemplo do senado federal

Existe algo muito ruim na democracia brasileira. O mau exemplo do Senado Federal com a decisão de realizar a sessão secreta que terminou por absolver o senador Renan Calheiros é o retrato de uma democracia representativa que não respeita os representados – os eleitores.

Por outro lado, a mídia brasileira sempre tão vigilante não foi incisiva desta feita. Resmungou apenas. Não gritou, não denunciou. A própria OAB federal limitou-se a lamentar o fato, quando poderia legitimamente ter ajuizado uma ação direta de inconstitucionalidade para que o Supremo Tribunal Federal declarasse a inconstitucionalidade flagrante do dispositivo do Regimento Interno do Senado Federal diante do princípio fundamental da democracia inserto em nossa Carta Magna.

Até mesmo os partidos políticos chamados de oposição que defenderam publicamente a cassação do senador Renan Calheiros, legitimados que são pela Constituição Federal, omitiram-se, posto que também poderiam ter provocado o STF com pedido liminar inclusive através de uma ação direta de inconstitucionalidade para ver declarada inconstitucional a norma regimental do senado que determina a sessão secreta.

O que a sociedade brasileira e os eleitores, em particular, devem perguntar é sobre o motivo de tanta omissão. Parece que todos sabiam o caminho das pedras, mas preferiram deixar que o espetáculo continuasse, pois nada mais evidente que a Constituição Federal em seu art. 55, § 2º, determina apenas que a perda do mandato parlamentar por falta de decoro se dará por voto secreto e por maioria absoluta, e em nenhum momento que a sessão será secreta.

A idéia de sessão secreta ofende os princípios constitucionais da democracia, da publicidade da administração pública, respectivamente presentes na Constituição Federal na cabeça do art. 1º e no art. 37.

O resultado da votação secreta, esta sim, constitucional, não deve preocupar tanto, pela simples razão de que cabe apenas ao eleitor o julgamento adequado nas próximas eleições.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

EM BUSCA DO SENTIDO DE POVO


Esta semana bem que poderia se tornar símbolo da mais alta significação do sentido de cidadania. A “Semana da Pátria” deveria ser a “Semana do Cidadão” deste “ser ficcional” criado pela ciência política e que ilustra vários compêndios de filósofos, historiadores, juristas e cientistas políticos.

Ser, que sendo da cidade é quem menos opina e, muito menos, decide. Utilizado apenas como instrumento do acesso político de grupos ao poder, logo após o ato de confirmação das urnas, volta a ser o cidadão imaginário como expressão surrealista de “povo”.

Isto é explicado por alguns, como fruto do nosso processo de independência onde não houve participação popular, fora apenas um ato de vontade do Príncipe que sequer arranhou as relações familiares reais (tudo ficava na mesma casa dos Orleans e Bragança).

O povo no Brasil somente fora lembrado quando era necessário enfrentar à espada algum inimigo dos interesses da classe dominante, assim na Guerra do Paraguai, onde índios, criolos e negros passaram a integrar a categoria de cidadãos ativos para o desvario da morte. Ou em missões fundamentalistas religiosas como aconteceu com os seguidores de Antônio Conselheiro em Canudos, e do lado contrário, a defender os interesses da novel república.

Esta semana bem que se poderia comemorar o respeito do Estado brasileiro ao cidadão nacional se já tivéssemos conquistado pelo meio da educação de qualidade para todos, um nível de desenvolvimento que não registrasse o marco triste de mais de 50 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. Poderíamos comemorar a cidadania pelo acesso universal à saúde, de forma a não precisarmos assistir o descalabro de pessoas morrerem pela simples falta de atendimento ambulatorial. Poderíamos comemorar o direito de ir e vir por nossas estradas se houvesse o respeito proporcional à arrecadação de tributos, e assim pudéssemos não chorar tanto pelas tragédias que matam mais do que as guerras.

Enfim, esta semana poderíamos comemorar com fogos e rojões as conquistas de um povo que existe apenas como expressão jurídica constitucional. Precisamos resgatar o sentido de “povo” para dar sentido a independência.

domingo, 19 de agosto de 2007

Os "grampos" no STF


É de arrepiar essa história que a revista VEJA traz esta semana sobre o grampo em telefones de Ministros do STF.

Antes mesmo da lei que trata das interceptações telefônicas já eram conhecidos fatos de "arapongagem" ilícita por agentes federais, em especial, aqueles remanescentes dos quadros da Polícia Federal da época da ditadura militar.

Agora, em pleno estado democrático de direito, com um partido de esquerda no poder, essa volta ao arbítrio e a ofensa aos direitos e garantias fundamentais é extremamente preocupante.

A América Latina vive um tempo de líderes de esquerda que sinalizam a vontade de implantar ditaduras "constitucionais" a exemplo da Venezuela, Equador e Bolívia.

No Brasil, a escolha do ex-presidente do PT, Tarso Genro, para Ministro da Justiça, já tinha gerado expectativas de que poderia haver o aparelhamento da polícia federal para fins não constitucionais.

Não podemos esquecer a história recente do Brasil e o papel dos políticos que ascenderam ao topo da burocracia brasileira, muitos deles com história de participar de grupos armados que atuavam na guerrilha, e o que menos fizeram foi estudar os fenômenos políticos e sociais que continuam a transformar o mundo.

A possibilidade de existir paralelamente um estado policial ao lado do estado democrático de direito não é fruto da imaginação, ao contrário, há evidências de que existe realmente.

Cabe ao Ministério Público Federal através do Procurador Geral da República tomar para si a responsabilidade de investigar e adotar junto ao Supremo Tribunal Federal as medidas necessárias.

Já está comprovado através da divulgação indevida por meio da imprensa de gravações feitas pela polícia federal em inquéritos em segredo de justiça que existe, no mínimo, prevaricação de agentes encarregados das gravações.

Ainda há tempo para dar um basta no arbítrio.

sábado, 4 de agosto de 2007

Deputados da CPI cometem falta de decoro parlamentar


“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.” O verso de Fernando Pessoa mais que uma filosofia encerra uma constatação: quando as pessoas têm alma pequena nada tem valor, nada vale coisa alguma.
Entre a perplexidade e a desilusão é que o povo brasileiro assiste um verdadeiro show de oportunismo político e de jogo de cena dos membros da CPI do “apagão aéreo” que de forma irresponsável e desrespeitosa com a dor dos familiares das vítimas do acidente do vôo JJ3054 da TAM e em total desacordo com a Constituição brasileira agem, única e exclusivamente, para tirar proveito político ganhando espaço na mídia, para quem sabe tentarem concorrer a alguma prefeitura importante dos seus Estados.
A divulgação das gravações dos últimos momentos da cabine dos pilotos da aeronave de forma sensacionalista desafia o bom senso e o equilíbrio que deve presidir a a investigação das causas de um acidente aéreo, especialmente, quando as suas proporções são tão graves, e ainda em um momento onde famílias aguardam a identificação de seus parentes.
O oportunismo tem sido a chave de quase todas as CPI’s instaladas até o presente momento, independentemente do tema. Um show bizarro de ignorância do papel das Comissões Parlamentares de Inquérito e de proselitismo político tem sido a tônica, onde parlamentares agem não como pessoas que estão investigando em um nível onde se espera equilíbrio e sensatez, mas na maioria das vezes como “capitães do mato” em busca de escravos fugitivos no tempo da escravatura pelas agressões na linguagem e na forma de inquirir testemunhas e acusados.
A sociedade brasileira é enganada toda vez que parlamentares no ímpeto de conseguirem espaço na mídia se comportam como “investigadores do DOPS” na época da ditadura militar, somente faltando o “pau-de-arara” e “os choques elétricos”.
O parlamentar ao assumir o seu mandato presta um juramento de respeitar a Constituição e as leis do país, porém nesses casos de abuso do poder constitucional de investigar através das CPI’s fica evidente o descumprimento do compromisso e o despreparo dos midiáticos inquisidores, incorrendo todos eles em falta de decoro parlamentar e sujeitos a perda dos mandatos.
No caso do acidente da TAM, de uma hora para outra, os deputados passaram a ser especialistas na construção de aeronaves, verdadeiros engenheiros aeronáuticos, também passaram a ser exímios pilotos e peritos em construção de aeroportos.
A linguagem empolada e vazia dos arautos da ignorância coloca em pânico uma sociedade que não sabe em que acreditar diante de tantas declarações contraditórias, inexatas e repletas de asneiras.
Um deputado chegou a afirmar em um telejornal nacional que a CPI tem os poderes do Poder Judiciário e portanto poderia divulgar os dados da “caixa preta” do avião. Uma afirmação de quem não conhece o texto constitucional e muito menos a sua interpretação pelo STF. Os membros da CPI têm poderes somente de investigação conforme o art. 58, § 3º, da Constituição Federal, e não os poderes do Poder Judiciário, tanto que o relatório serve apenas como base ou não de possível denúncia do Ministério Público perante o Judiciário. Os deputados que fazem parte de CPI’s deviam antes de falar em rede nacional, ouvir um assessor jurídico para não falar besteira e enganar a população. Assim, exorbitar o poder conferido pela Constituição Federal é desrespeitá-la, é cometer falta de decoro parlamentar e deverá perder o mandato como se vê no art. 55, § 1º, da CF.
O Estado através de seus representantes, inclusive do legislativo, tem contribuído muito mais para a insegurança e intranqüilidade nesses dias de muitas dúvidas quanto às causas do acidente da TAM.
Os membros da CPI na Câmara dos deputados deveriam ler Pessoa, e com ele aprender que tudo somente vale a pena se a alma não for pequena.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Fazendo da dor uma lição

O sonho de um país desenvolvido somente poderá ser realidade com a mudança de visão de cada brasileiro e do conjunto da sociedade, e de investimentos na educação, infra-estrutura, modernização da gestão pública inclusive do Judiciário.O último acidente aéreo no Brasil tem, em meio à dor dos parentes e amigos que perderam seus entes queridos, o potencial detonador de uma reviravolta em todas as dimensões, políticas, econômicas e estruturais.Foi posto em xeque o comando político das questões aeroportuárias. Mais uma vez a combinação da incompetência administrativa, negligência e provavelmente, corrupção, coloca a todos os que necessitam voar nesse país em situação de risco iminente.Uma crise que denuncia a ausência de políticas de educação para o trabalho em setores estratégicos como o controle de vôos, daí a dificuldade para substituir e aumentar o quadro de controladores, uma das razões do caos aéreo.Do ponto de vista econômico a crise nos coloca na contramão dos resultados alardeados do nosso crescimento, pelo contrário, dá para se perceber que o problema aéreo atinge em cheio a indústria do turismo, interno e externo, e o comércio internacional que usa o transporte aéreo.Um país que investe tão pouco na educação fundamental e no ensino médio terá uma imensa dificuldade em romper com o ciclo de subdesenvolvimento, criando um impasse na absorção de uma juventude que necessita de emprego e renda.Numa sociedade do conhecimento a educação é o maior instrumento de mudanças e desenvolvimento.É urgente também que faça gestão profissional no setor público com a substituição dos velhos sistemas de cargos comissionados preenchidos através do jogo político das alianças e os do interesses eleitorais por critérios técnicos, especialmente por meio de concurso público, e até mesmo, porque não, para determinados cargos gestores escolhidos pelo mesmo processo de seleção dos executivos para a iniciativa privada, com contratos por metas e sem qualquer estabilidade.O judiciário também deve ser transformado, modernizado em termos de gestão, e também deve haver por parte do legislativo e contribuição para acabar os excessivos recursos judiciais e criar instrumentos do processo civil e penal que combatam a morosidade.É verdade, que tudo isto pode continuar sendo apenas um desejo, um sonho. Mas, o que seria da vida se não fossem os sonhos?

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Entre o estelionato e a calúnia

Existem discursos que devem ser analisados e esclarecidos, pois confundem a opinião pública muito mais do que explicam. Este é um dos problemas da retórica desde a Grécia clássica entre os seus filósofos.

O discurso de que venho tratar se refere à questão ensino jurídico brasileiro após dois fatos: o primeiro foi o resultado do exame da ordem dos advogados do Brasil que pela primeira vez reuniu 17 estados e mostrou que o nordeste é muito melhor preparado que o sul e sudeste, e Sergipe ficou em primeiro lugar com mais de 40% de aprovação para uma média nacional em torno de 18%, ou seja, percentualmente Sergipe teve mais que o dobro do aproveitamento da média do Brasil. O segundo fato foi a decisão do Ministério da Educação em autorizar cerca 20 cursos novos de direito, dos quais 02 em Aracaju, e que a OAB tinha opinado apenas em favor de um, em São Paulo da Faculdade Zumbi dos Palmares.

O discurso tanto do Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB federal, como do Presidente nacional, Cezar Britto, como do Presidente da regional em Sergipe, Henry Clay Andrade, foi único: que era um absurdo, que o mercado estava saturado e é baixo o nível do ensino jurídico do país.

Pretendo de maneira objetiva comentar e desvelar o discurso dos eminentes advogados como alguém que vivencia o ensino jurídico há 19 anos como professor e operador do direito, como advogado durante 07 anos e como magistrado há quase 18 anos.
Visando facilitar a análise proponho algumas questões e que em seguida passarei a respondê-las.

Primeira questão: É possível em um Estado capitalista conforme anuncia a Constituição brasileira de 1988 em seu art. 1º, inciso IV, ao informar que a República Federativa do Brasil tem por um dos fundamentos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e ainda, o direito fundamental garantindo à todos “o livre exercício de qualquer trabalho ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” conforme o art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, impedir o acesso do cidadão brasileiro ao curso de direito?

Segunda questão: De acordo com a Constituição brasileira em vigor em seu art. 209 “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação pelo Poder Público.” Uma entidade corporativa como a OAB pode colocar-se como o Poder Público?

Terceira questão: O Brasil, com apenas 18% dos que concluem o ensino médio chegando à universidade, pode se dar ao luxo de impedir o acesso ao ensino superior, neste caso, ao curso de direito, apenas para garantir o mercado para os advogados que já existem? Não seria isto uma forma de privilegiar apenas uma parte da sociedade e aquela já detentora dos privilégios de melhor renda e melhores condições de vida?

Quarta questão: Qual seria a contribuição efetiva da OAB para uma melhor qualidade do ensino jurídico do Brasil?

À primeira questão podemos responder que é uma ofensa ao Estado constitucional brasileiro se pensar em uma economia planificada no molde do modelo comunista onde o número de profissionais é determinado pelo Estado para atender exclusivamente as necessidades sociais, pois colidiria com o fundamento da livre iniciativa do art. 1º e decretaria a morte do inciso XIII do art. 5º que garante a liberdade de se exercer qualquer atividade ou profissão, ambos dispositivos da nossa Constituição, elevadas à categoria de “cláusulas pétreas” que impedem até mesmo a propositura de emenda à constituição conforme o art. 60, § 4º, inciso IV. Conclui-se que a resposta é que não se pode impedir que nenhum brasileiro ou estrangeiro residente no país possa ter acesso a um curso de direito.

Respondendo à segunda questão podemos afirmar que o ensino privado está garantido na Constituição e somente o Poder Público, especificamente, o Poder Executivo, pode proporcionar os meios de acesso à educação, conforme o art. 23, inciso V, de acordo com as diretrizes e bases da educação editadas pela União que tem competência privativa para legislar de acordo com o art. 22, inciso XXIV, também da Constituição Federal. Logo, a OAB não tem competência constitucional para autorizar nenhum curso superior, mesmo os de direito. A OAB pode contribuir com a sua opinião que não vincula para decisão das autoridades da educação do Poder Executivo, estas sim, investidas da condição de agentes do Poder Público conforme a Constituição podem dar a última palavra.

Quanto à terceira questão proposta é preciso entender que apesar dos números apresentados de estudantes de direito no país ainda somos inferiores ao Paraguai na garantia do acesso ao ensino superior. E quando se compara aos Estados Unidos esquecem de informar à população, pois esta desconhece que naquele país pela riqueza e oportunidades não é o sonho do jovem americano subir na vida através de concursos públicos na área jurídica ou através da advocacia. São realidades diferentes. O Brasil desde o Império é o país que sempre privilegiou os bacharéis em direito, pois eles eram formados para assumir a burocracia do Estado. A inclusão social de milhões de jovens brasileiros principalmente através de concursos públicos para cargos antes entregues sem concurso apenas aos filhos da elite se dá pela via dos concursos jurídicos para a magistratura, o ministério público, a advocacia pública, a defensoria pública, e cargos na administração pública federal, estadual e municipal. Negar o acesso dos jovens, especialmente os oriundos das classes mais simples e que estão nas faculdades privadas é sinalizar concretamente para a continuidade da perversa exclusão que atinge a maior parte da população brasileira.

Com relação à quarta questão creio que a maior contribuição que a OAB pode dar para a melhoria do ensino jurídico é através do seu exame de ordem nacionalizado e realizado por instituições acreditadas na comunidade acadêmica para se tornar ao lado do ENADE – Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes e do SINAES – Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior do INEP/MEC, verdadeiros instrumentos para que as faculdades de direito que não preencham critérios objetivos e transparentes de qualidade possam ser fechadas.

Por essas razões, quando ouço do Presidente da OAB de Sergipe, Henry Clay Andrade, que foi meu aluno na faculdade, generalizar ao afirmar que os cursos autorizados pelo MEC sem a concordância da OAB são “verdadeiros estelionatos educacionais” merece toda a minha desaprovação. Sendo o estelionato um crime tipificado em nosso Código Penal, acusar alguém de um crime sem qualquer prova também é crime, a exemplo da calúnia, tipificada no art. 138, do nosso estatuto penal. Uma das qualidades da retórica é o comedimento das expressões. O presidente da OAB em Sergipe precisa dizer com todas as letras quais são os cursos em Sergipe que estão cometendo estelionato, sob pena de ficar para a sociedade como alguém que na defesa dos interesses corporativos foi capaz de caluniar professores, gestores e empresários do setor privado de educação. Nunca foi esta a lição que ensinei ao longo da minha carreira de professor universitário aos meus alunos.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

A República passada a limpo

A história do Brasil desde o seu descobrimento revela o quanto esta terra sofreu de vilipêndios e achaques.

No início da colonização os legítimos senhores desta terra foram espoliados, massacrados, dizimados pelo europeu que aqui chegara com sua cultura e com a sua postura de superioridade, como registram os escritos da época da lavra daqueles que tinham o ponto de vista do colonizador para quem os indígenas eram apenas seres bárbaros e incivilizados.

Uma vez tendo o Rei de Portugal decidido pela colonização desta terra o que se assistiu foi um verdadeiro processo de privatização onde através das chamadas Capitanias Hereditárias, nobres portugueses receberam imensas áreas do território brasileiro e em troca pagariam as taxas e impostos à coroa portuguesa.

Falidas as capitanias se institui por força de decreto real a estatização do prejuízo com a chegada do primeiro Governador Geral do Brasil, Estácio de Sá.

Graças ao império napoleônico a família real portuguesa à frente D. João VI, fugindo da inevitável invasão francesa, vem de malas e cuias para a colônia da América do Sul, e aqui instala o governo do Reino Unido de Portugal e Algarves. Abrem-se os portos brasileiros para o mundo, surgem as primeiras faculdades e o Brasil começa a se preparar para ser estado.

A independência do Brasil como fruto muito mais de conveniência política do que de paixão pelo país leva o herdeiro do trono de Portugal a ser coroado como primeiro Imperador do Brasil. Não foi sem motivo que Pedro I abdica do trono brasileiro e vai lutar contra o seu próprio irmão para garantir o trono de Portugal para a sua filha, e assim, antes de morrer no Palácio de Queluz onde nasceu, vê realizado o seu intento: seus dois filhos reinando em Portugal e no Brasil.

A República brasileira nasce muito mais da insatisfação da elite econômica do Brasil do fim do século IX com o Imperador Pedro II, culminada, principalmente pelo fim da escravidão no país do que pela consciência dos poucos defensores ideológicos do sistema.

Assim, o Brasil republicano viverá crise sobre crise todas as vezes que a elite de algum modo se sentiu desprestigiada e desprotegida em seus interesses.

O espírito republicano brasileiro, como bem poderia dizer Oliveira Viana, reflete os interesses da elite econômica da vez. Uma hora, os cafeicultores, em outra, a elite industrial, bem mais recente a elite das empreiteiras, a elite dos bancos, a elite dos grandes conglomerados, a elite das multinacionais.

Nesse embalo, o sentido de república, ou seja, de coisa de todos, se transforma em coisa de alguns poucos. Os mesmos que continuam a eleger os governantes e os legisladores do país.

As crises provocadas pelas revelações das relações incestuosas entre membros dos poderes da República, em todos os níveis, são provas inequívocas de que a velha república continua velha e atuante.

Passar a república a limpo é resgatar o sentido romano da “res publica”, de coisa de todos, da sociedade, dos cidadãos, e não apenas dos que fazem da coisa pública seu universo particular, com a permissão de Marisa Monte.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Golpe na democracia participativa

Corre no meio da advocacia sergipana uma notícia de que a OAB-SE está prestes a dar um golpe na democracia participativa na escolha da lista dos seis advogados que seguirá para o Tribunal de Justiça onde serão escolhidos os três nomes que comporão a lista que será enviada ao governador do estado, cumprindo o ritual de escolha da vaga de desembargador da classe dos advogados com aposentadoria do desembargador Paschoal Nabuco.

A lição do maior constitucionalista brasileiro, Paulo Bonavides, por sinal, medalha Ruy Barbosa, a maior comenda da Ordem dos Advogados do Brasil, é de que as instituições e o estado brasileiro devem preservar e garantir a democracia participativa, única forma de se evitar desvios da representação.

No caso da OAB-SE, efetivamente se houver a concretização da notícia de que após a adoção da democracia participativa por iniciativa do Conselheiro Cezar Brito na OAB de Sergipe, atualmente Presidente do Conselho Federal, onde todos os advogados em eleição direta escolhiam os seis nomes de advogados para concorrer à vaga de desembargador, fato que levou, por exemplo, o desembargador Roberto Porto à lista, por razões ainda não conhecidas, retorne a escolha pelo colegiado.

A escolha da lista dos seis advogados apenas pelos conselheiros da OAB-SE não se constitui numa ilegalidade ou numa inconstitucionalidade, porém abalará a credibilidade daquela instituição como defensora intransigente da democracia, tradição que se firmou especialmente no período da ditadura militar, sofrendo inclusive atentados, um deles causando a morte da secretária Lyda Monteiro.

Poderá, ainda, deixar evidente a existência de interesses outros, pequenos e de política comezinha, contra a democracia, um verdadeiro golpe à moda dos ditadores latino-americanos.

Não creio que os advogados sergipanos que compõem o atual Conselho da OAB em Sergipe, muitos com tradição de luta pela democracia, apóiem uma atitude que deixará uma mácula na história dos advogados sergipanos.

A minha crença, como constitucionalista, é que a sociedade brasileira, e, em particular, a sergipana, sempre avançará democraticamente à medida que suas instituições também trilharem o caminho da democracia participativa, a exemplo da OAB-SE.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

As operações da polícia federal e os limites da liberdade de informar

Qual o limite entre o interesse público e o interesse do público?
Qual a linha divisória entre o direito à informação, exercido por uma imprensa livre, e o segredo de justiça decretado em investigações e processos judiciais?
O meu objetivo é esclarecer com as respostas a essas questões a grande polêmica que se instalou no país com as ações da polícia federal e o vazamento de informações do inquérito em curso por ordem da Ministra Eliana Calmom, do STJ, que o preside.
Sobraram farpas para todos os lados, entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, e até mesmo para o Ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes.
Estamos vivendo um tempo novo, com mudanças significativas na depuração do estado brasileiro. Os fatos são bem antigos, a corrupção do estado já foi tratada com muita indignação por Ruy Barbosa no início do século XX, e nada mudou. Ao contrário, as práticas se multiplicaram e foram aperfeiçoadas, e há pouco tempo o poder judiciário brasileiro passou a investir contra a criminalidade do “colarinho branco”, e isto só foi possível com a melhoria da qualidade da polícia judiciária federal.
É preciso deixar claro também que a polícia, assim como o ministério público, na investigação criminal necessita do controle judicial de suas ações. A polícia e nem o ministério público podem decidir sozinhos sobre busca e apreensão e prisões de suspeitos, eles solicitam ao juiz competente (juiz, desembargador ou ministro, conforme o caso e a lei) o deferimento do pedido, cabe ao juiz analisar e decidir conforme a lei e com os cuidados necessários.
O que estamos assistindo, pelo olhar do telespectador ou do leitor, é que o que deveria ser uma prática rotineira está virando um espetáculo midiático. As operações da polícia atendem mais aos interesses do jornalismo sensacionalista do que aos interesses de investigação isenta de vaidades e paixões, capaz de produzir as provas necessárias para uma condenação.
Nem sempre o que é de interesse do público (diga-se da curiosidade natural dos jornalistas) é também interesse público (interesse do estado na investigação e na condenação dos que cometem delitos), por exemplo, quando o fato ainda em investigação com a dimensão das últimas operações desencadeadas pela polícia federal chega a imprensa antes que se conclua um inquérito e o ministério público analise as provas e decida promover a ação penal competente, as pessoas investigadas já foram processadas e condenadas pela opinião pública, e se inocentes, não haverá indenização capaz de restaurar o dano causado.
O tempo da imprensa é diferente do tempo da justiça. A condenação pela opinião pública pode ocorrer mesmo sendo as provas insuficientes, mesmo que não haja provas. O cuidado que devemos ter é preservar uma das conquistas mais importantes da modernidade que são as garantias e os direitos fundamentais, entre eles, os de garantir a todo e qualquer acusado o devido processo legal – ou seja, ser processado na forma da lei existente e com direito ao contraditório e a ampla defesa -, e sendo então condenado e transitada em julgado a sentença penal condenatória não existirá mais dúvidas quanto a autoria do delito e se imporá a este todas as conseqüências do seu ato criminoso. Isto deve valer para todos: ricos, pobres, pretos, brancos, índios, pardos, alfabetizados e analfabetos, feios e bonitos, homens e mulheres, enfim, sem exceção alguma.
No entanto, quando se abre uma única exceção coloca-se em risco o princípio, e abre a possibilidade de vulnerar direitos que foram conquistados durante séculos de lutas e com muito derramamento de sangue e com muitas injustiças.
Assim, a idéia de que tudo é interesse do público, pode ser muito mais nocivo do que positivo, embora nada impeça a imprensa de cobrar os resultados da investigação e do processo ao seu final, cobrando inclusive a sua celeridade.
A segunda questão diz respeito ao direito à informação, consagrado na Constituição brasileira, e que tem por corolário a garantia de uma imprensa livre. Com o estado moderno, o estado de direito, inaugura-se uma fase onde nada mais é absoluto. Aliás, a grande luta foi contra o absolutismo dos monarcas. Por que então agora admitiremos outros “monarcas”? Sejam eles hoje: a imprensa, o judiciário, o executivo, seja quem for; o estado de direito, e mais ainda, o estado democrático de direito, impõe a todos nós limites – os limites da lei.
Por isso a liberdade de imprensa não poderá ser absoluta de modo a ferir outros direitos fundamentais iguais em dignidade, como por exemplo, a honra, a imagem, a intimidade e a própria lei.
O segredo de justiça dos atos judiciais está garantido na própria Constituição, logo tem o mesmo status da liberdade de imprensa, pois o segredo de justiça existe para preservar também direitos fundamentais.
É certo que a mídia como fenômeno também econômico vive em busca de assuntos que vendam jornais, que aumentem o número de telespectadores ou de ouvintes, e ainda aumente o número de acessos à internet. Porém, não justifica que a pressa para ganhar dos concorrentes transforme o noticiário num show de irresponsabilidades e gritantes ofensas a direitos fundamentais.
A quebra do segredo de justiça por policiais, membros do ministério público ou de membros e funcionários do judiciário é fato muito grave que deve ser apurado e responsabilizado criminalmente os infratores.
Os veículos de comunicação, por outro lado, podem sofrer no futuro com pesadas condenações por danos morais.
Lembrem-se do caso da “escola base” de São Paulo. Ou então, do velho ditado popular: “gato escaldado tem medo de água fria”.

domingo, 22 de abril de 2007

COMBATENDO O CRIME ORGANIZADO

“Somente num verdadeiro Estado de Direito Democrático é que se vê a prisão de autoridades do judiciário, inclusive de Tribunais, sem que isso represente nenhuma ruptura política.”

As manchetes jornalísticas da semana são dedicadas ao crime organizado que se infiltra perigosamente em todos os segmentos da sociedade e do estado brasileiro.
Antes de mais nada é preciso que a sociedade saiba que o combate ao crime organizado só é possível porque existem juizes sérios, honestos e corajosos, ao lado de membros do ministério público, destemidos e também honestos, e com o auxílio indispensável de policiais sérios e competentes buscaram descobrir o que apenas se imaginava quanto ao funcionamento do crime organizado.
O fenômeno da globalização também foi significativo para as operações criminosas que antes se manifestavam localmente, regionalmente ou nacionalmente. Agora, seus tentáculos são transnacionais. Seu poder de corrupção e de intimidação é muito maior.
As organizações criminosas funcionam como verdadeiras multinacionais do crime, e a sua face contemporânea tem claramente o lucro por objetivo, não importando os meios, violentos ou de suborno, o que verdadeiramente interessa é o resultado.
Para atingir seus objetivos organizacionais seus membros não poupam esforços para a infiltração nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Buscam não somente a blindagem para a prática dos crimes, mas também poder.
Numa rápida olhada para o passado recente e cuja luta continua, embora menos acirrada, a máfia italiana sofreu vários revezes, e apesar de muitas prisões e condenações exemplares, o fantasma do crime organizado ainda persiste em cidades do sul da Itália, principalmente.
Outro exemplo, o da Colômbia, apesar do embate duro do governo colombiano para destruir os grupos organizados de narcotraficantes, e da melhora significativa no controle da segurança pública daquele país, criminosos ainda conseguem produzir e traficar uma imensidade de toneladas de cocaína para os Estados Unidos e países da Europa.
No Brasil, estamos no começo de uma luta que não depende somente dos poderes constituídos, depende também da sociedade. O apoio do povo às ações empreendidas contra o crime organizado é bastante para pressionar os deputados federais e senadores a votarem as leis que são indispensáveis para a efetividade da jurisdição penal.
Como foi declarado pela própria polícia federal de que há o envolvimento também de parlamentares, se tem a certeza que aqueles que foram eleitos com o apoio, inclusive financeiro, dos caciques do crime no Brasil, estes não têm condições morais para votar em leis que facilitem as forças legais combaterem com eficiência e eficácia os malfeitores.
É preciso que os veículos de comunicação fiquem atentos para cobrir com transparência os fatos, cuidando de não fazer juízos precipitados, porque o mais comum nesse tipo de combate é atingir muita gente, às vezes que não tenha nada com o crime, mas circunstancialmente aparente ter alguma ligação. O preço é muito alto caso se comprove que foi apenas uma suspeita.
A cautela na cobertura é para garantir que não se descambe para uma caça às bruxas, mas para, de certa forma, exigir que as autoridades responsáveis cumpram seus papéis sem obstáculos e sem pressões.
Viver numa sociedade democrática significa respeitar valores básicos mesmo quando se tenha como objetivo chamar a atenção de forma sensacionalista.
Somente num verdadeiro Estado de Direito Democrático é que se vê a prisão de autoridades do judiciário, inclusive de Tribunais, sem que isso represente nenhuma ruptura política. Apenas sendo o cumprimento da lei através de uma ordem expedida pelo próprio Poder Judiciário.
Como magistrado, ao mesmo tempo em que me entristeço com o envolvimento de pessoas até então considerados acima de qualquer suspeita, sou tomado de uma grande alegria de ver que é possível exercer com dignidade a magistratura mesmo que para isso tenha que se cortar a própria carne.

domingo, 8 de abril de 2007

DIREITOS DE FRATERNIDADE E O FUTURO DA TERRA

Anselmo Oliveira

“A nova lógica, vista pela ordem jurídica, especialmente pelo direito internacional, seria a lógica dos direitos de fraternidade, como direitos de quinta dimensão.”

O terceiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) da ONU, divulgado na sexta-feira passada, 06 de abril, destaca os efeitos do aquecimento global para as regiões polares do planeta e as conseqüências para o resto do mundo.
Infelizmente os grandes investidores e os principais governantes não parecem levar a sério os avisos dos cientistas para a possibilidade a médio prazo de calamidades em escala mundial, principalmente para a escassez de água potável e de alimentos.
Hoje, um terço da população vive abaixo da linha da pobreza, isto significa mais de um bilhão de pessoas, e o relatório aponta que as regiões onde grandes mudanças climáticas trarão mais calamidades são exatamente onde se encontram as populações mais pobres, notadamente da Oceania, Ásia e África.
Parece que países desenvolvidos e os maiores responsáveis pela poluição junto aos grandes grupos industriais internacionais buscam desqualificar o relatório do IPCC, e ao que parece apenas um único motivo: manter o nível econômico. Pelo menos tem sido a explicação dada pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, para não reduzir as emissões de carbono, um dos vilões do aquecimento global, mesmo quando a Suprema Corte Americana já decidiu a semana passada que é constitucional a determinação de redução índices de emissões por agência governamental norte-americana, numa clara intenção para tirar do chefe do executivo dos Estados Unidos o poder supremo sobre a questão.
Inacreditável que tudo isto aconteça quando o mundo assistiu na última reunião dos países mais ricos do mundo em Davos, na Suíça, exatamente a preocupação de investidores e governantes com a questão climática. Será que tudo não passou de empulhação?
A preocupação que se tem com o relatório divulgado na última sexta-feira, 06, é que sabendo que as populações que mais sofrerão os efeitos serão as mais pobres, as periféricas, as sem renda, incapazes de consumir os bens fabricados pelos mais ricos, de maneira ignomiosa os defensores dos ricos vejam nisto uma solução, reduzindo a população africana, asiática e de outras regiões subdesenvolvidas, como se a “natureza” providencialmente fizesse uma seleção natural.
Penso que na verdade está em curso um grande genocídio, um crime não contra etnias, ou minorias religiosas, mais o maior crime contra os mais pobres, os que não representam esperança de lucros, ao contrário, significa investimentos pesados em educação, saúde, infra-estrutura, segurança pública, cujos recursos teriam que sair a fundo perdido dos países mais ricos.
A lógica perversa do capitalismo é a grande causa dessa que pode ser a maior chacina em escala global, e aqui não haverá um nome apenas para se expiar a culpa, mas todos aqueles que pensam na pobreza como um óbice ao desenvolvimento, ao abastecimento de alimentos e de água potável, ao bem estar dos ricos.
Há vinte anos escrevi sobre o tema na Gazeta de Sergipe lembrando que a lógica do capitalismo, a lógica dos mercados consumidores, na extinção de futuros mercados será a negação dessa mesma lógica.
O fim do capitalismo não está na luta ideológica, nas revoluções armadas, nos populismos. O fim do capitalismo está na morte dos mercados.
A nova lógica, vista pela ordem jurídica, especialmente pelo direito internacional, seria a lógica dos direitos de fraternidade, como direitos de quinta dimensão.
O reconhecimento da existência de direitos sob a ótica da fraternidade é a saída para que o planeta Terra sobreviva aos impactos econômicos, sociais e climáticos.
Não se trata de caridade, solidariedade apenas, mas do reconhecimento de que sem garantir o mínimo de dignidade a todas as pessoas, mesmo reduzindo o crescimento econômico dos mais ricos, mesmo freando os impulsos ditados pelos mercados, não haverá futuro.

terça-feira, 3 de abril de 2007

CAÇA AOS PARLAMENTARES QUE MUDARAM DE PARTIDO

Anselmo Oliveira

“Será preciso uma provocação dos partidos interessados que pode ser inicialmente no âmbito do próprio Poder Legislativo respectivo, e este poderá reconhecer o direito já declarado pelo Judiciário.”

O assunto principal na mídia brasileira na última semana foi a decisão do Tribunal Superior Eleitoral por seis votos contra apenas um, em resposta a consulta de n.º 1.398, formulada pelo Partido da Frente Liberal, agora Democratas, com o seguinte teor: “Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?”

Numa decisão histórica e atendendo aos princípios constitucionais e também do direito eleitoral brasileiro, a maioria absoluta dos Ministros da maior Corte Eleitoral do país, respondeu afirmativamente.

O fundamento legal de que o sistema proporcional eleitoral adotado pela Constituição brasileira nos arts. 14, § 3º e 45, é suficiente para concluir pela resposta adotada pelo TSE de que o mandato pertence ao partido ou coligação pelo qual foi eleito o deputado estadual ou federal e o vereador, pois são eleitos pelo sistema proporcional.

Podem questionar o fato de somente agora o TSE ter se posicionado em relação ao tema. Para os que não dominam o conhecimento jurídico é preciso explicar que o Poder Judiciário não pode decidir sem existir uma provocação, consistindo isto um dos princípios basilares do funcionamento da justiça que tem o nome de “inércia da jurisdição”.

Significa o princípio da inércia da jurisdição que a manifestação do Poder Judiciário deverá sempre ser provocada pelo interessado. Nesse caso, o Partido da Frente Liberal (agora, Democratas) provocou a Justiça Eleitoral ao fazer a consulta.

Importante que as pessoas saibam quais os efeitos de uma decisão como esta. A consulta perante a Justiça Eleitoral tem o efeito declaratório. Vale dizer que se tornou público que a Justiça eleitoral brasileira reconhece que o mandato do parlamentar eleito pelo sistema eleitoral pertence ao partido ou coligação que o elegeu, e assim, no caso de desfiliação ao mudar de partido, poderá o eleito perder o mandato e em seu lugar ser chamado o suplente do partido ou coligação.

Por se tratar de uma decisão de natureza declaratória não ocorrem efeitos materiais. Ou seja, simplesmente com a decisão do TSE não vai haver a perda imediata dos parlamentares que mudaram de partido. Será preciso uma provocação dos partidos interessados que pode ser inicialmente no âmbito do próprio Poder Legislativo respectivo, e este poderá reconhecer o direito já declarado pelo Judiciário. Porém, no caso do Legislativo não entender que deva aplicar o entendimento do TSE, restará aos interessados provocar o Judiciário para obter agora uma decisão cuja natureza será mandamental, que significa obter uma ordem judicial para que o Legislativo se obrigue a dar cumprimento ao entendimento já declarado.

Não se tem dúvida de que esta decisão do TSE reforça a democracia e consolida os partidos em sentido ideológico, e afasta da cena política aqueles políticos que usam os partidos como peças do seu guarda-roupa, descartando quando cair de moda, ou quando perdeu o gosto de usar.

Muitos políticos certamente estão detestando a decisão do TSE porque de modo indireto está reforçando a fidelidade partidária, instituto partidário desrespeitado pelos políticos que enganam os eleitores que votam pensando em coelhos quando na verdade são lebres.

segunda-feira, 26 de março de 2007

LEI NOVA PARA CONSERTAR O PAÍS

Anselmo Oliveira

“Por que não propõem uma lei tipificando todo e qualquer desvio de verbas públicas como crime hediondo...?”



O debate histérico da mídia que coloca como bola da vez a redução da maioridade penal como forma de acabar a violência no Brasil é mais uma de tantas idéias alopradas que os meios de comunicação, com os seus interesses econômicos imediatos, compram e buscam revender para garantir o lucro. Lucro estimado pelo aumento da audiência e da venda de exemplares de revistas e jornais, consequentemente pelo fortalecimento da relação comercial junto aos seus patrocinadores e sua carteira de anunciantes.

Esta é uma ferida antiga, desde que a imprensa passou a produzir dentro das regras capitalistas, ou seja, a imprensa também é um negócio. Um bom negócio. Tanto é que se discute sem desfaçatez a abertura do capital das empresas de comunicação, e até mesmo o Congresso Nacional deu uma mãozinha para permitir investimento estrangeiro neste setor da economia.

A contradição que se vive entre os interesses mercantis dos veículos e os ideais dos profissionais da comunicação ainda será objeto de estudos severos na área da psicanálise, quem sabe mesmo da psiquiatria.

Vendem-se neste momento a idéia quase fixa - ou seria uma mania na linguagem psiquiátrica? – de que a solução de todos os problemas da segurança pública está no endurecimento das leis penais, inclusive na redução da lei penal para encarcerar os adolescentes a partir dos 16 anos.

A imprensa nacional, consciente ou não, isso somente o tempo e a história dirão, está defendendo o Estado Policial como saída. O mesmo tipo de Estado que em passado recente desde a ditadura de Getúlio Vargas e o seu DIP, a polícia política que controlava os meios de comunicação à época, e do SNI juntamente com os censores da Polícia Federal da época da ditadura militar, calaram jornalistas como Wladimir Herzog e tantos outros e excluíram da cidadania brasileira o direito de expressão e a liberdade de imprensa.

O feitiço pode, então, virar contra o feiticeiro. O crescimento de um Estado Policial que busque resolver tudo através do direito penal poderá calar as vozes democráticas dos defensores de medidas propostas de afogadilho.

A Constituição brasileira de 1988 traz em seu texto e no seu contexto a inauguração de um Estado Social que nunca saiu da norma, nos conformamos com o atraso e a pobreza que remete aos primórdios do Estado Moderno logo após às revoluções liberais da Inglaterra, dos Estados Unidos e da França.

É fácil verificarmos que as leis deste País não se tornam realidades, exaurem-se na mera positividade. Exemplos como a Lei das Execuções Penais e do Estatuto da Criança e do Adolescente, onde o Estado deveria cumprir o que legislou nega o cumprimento e cria o caos que atualmente estamos vendo.

A violência e a criminalidade que estamos a assistir é o preço que a sociedade paga por ter políticos despreparados, administradores públicos argentários e corruptos, empresários insaciáveis e cúmplices da roubalheira dos recursos públicos.

Agora se reclama da falta de recursos para resolver problemas na educação, na saúde, no sistema penitenciário e no atendimento das crianças e adolescentes em situações de risco.

A minha proposta é simples. Não acham que a lei penal pode resolver? Por que não propõe uma lei tipificando todo e qualquer desvio de verbas públicas como crime hediondo, punido com pena mínima de 15 anos e máxima de 30 anos de prisão em regime totalmente fechado, e ainda, multa equivalente a duas vezes o valor do desvio, e como pena acessória a suspensão dos direitos políticos pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada?

O resultado seria quase que de imediato. Sobrariam muitos bilhões de reais para serem aplicados de maneira correta. Talvez assim, o direito penal, enfim resolva o problema da violência e da criminalidade.

Duvido mesmo é que o Congresso que aí está faça uma proposta destas. Duvido mesmo que os veículos de comunicação dêem o mesmo destaque que vem dando à redução da maioridade penal.

Algum senador ou deputado federal se habilita?

quinta-feira, 8 de março de 2007

A MULHER COMO SUJEITO DO DIREITO

Anselmo Oliveira

No Dia Internacional da Mulher assisti no Auditório da Faculdade de Sergipe – FaSe, em Aracaju, uma mesa poderosa formada por quatro mulheres, professoras daquela instituição de ensino superior, uma antropóloga, a mestre e doutoranda Fátima Lima Santos, a turismóloga Gabriela Nicolau e a doutora em direito penal Daniela Costa, sob a mediação da doutora em psicologia Giovana Perlin.

O mais importante desse evento foi ouvir o que dizem as mulheres que fazem a academia numa perspectiva de reflexão. Há bem pouco tempo a data era “comemorada” com uma postura ativista, de luta pelos direitos que queriam ver conquistados, ou barganhados numa leitura política dos homens entronizados no poder.

A perspectiva de sujeito e não de objeto (ou seria de objetivação) principalmente pelo direito foi o grande momento e sinaliza para uma tomada de consciência nova que certamente contribuirá para a redução do preconceito e da desigualdade ainda presentes em nossa sociedade.

As conquistas recentes no campo legislativo e, portanto, jurídico, iniciadas na década de 30 no Brasil, com o Estatuto da mulher casada, e que mais recentemente se vislumbra no Código Civil de 2002, após décadas de ausência no ordenamento civil de 1916, e a Lei Maria da Penha de 2006, uma virada paradigmática, onde a mulher até que enfim se torna sujeito perante o direito pátrio.

Não creio, como disse muito bem a professora Daniela Costa, que a lei por si só resolverá a grave situação da violência doméstica onde a mulher aparece como a maior vítima. É que o problema está na raiz da nossa experiência como sociedade, culturalmente necessitamos desconstruir todas as concepções e compreensões equívocas da nossa formação.

Espero que os sujeitos que exercem papéis significativos na política, na administração pública, na justiça e na polícia, possam despertar para uma nova experiência no conviver não somente com as mulheres, de igual para igual, respeitando-se as diferenças, mas em todas as circunstâncias onde o outro seja diferente de nós.

quarta-feira, 7 de março de 2007

ENQUANTO SE FALA EM BALA PERDIDA...

Anselmo Oliveira


O crime no Brasil vem se estruturando em segmentos que tornam o seu combate cada vez mais difícil. Enquanto os telejornais estão explorando a violência cotidiana de cidades como o Rio de janeiro e São Paulo os criminosos estão tranqüilos, planejando e executando seus delitos.
Observem que os assaltos a bancos passaram a ocorrer no interior do Brasil, onde a fragilidade dos órgãos de segurança é verdadeiro convite à prática do crime. O nordeste tem sido uma “terceira via” para os barões do crime organizado, na busca fácil de recursos por meio de roubos, aproveitam e lavam o dinheiro ilícito se infiltrando na sociedade local que não conhece a ficha criminal do agora pseudo empresário, fazendeiro e outros disfarces.
Um outro segmento que se estrutura em silêncio é o que tem como objetivo a corrupção e o desvio de verbas públicas. Se antes eram os escândalos que assistimos durante o ano passado com denúncias quase todos os dias de atos de improbidade praticados por parlamentares e gestores públicos, hoje, as manchetes sobre balas perdidas ajudam a tirar o foco da criminalidade do colarinho branco que age ciente da impunidade e da demora do nosso sistema judicial para alcançá-la.
Na minha ótica, tanto faz o PCC como os que se associaram para se locupletarem com o dinheiro público através das máfias das ambulâncias e das sanguessugas. O PCC usa da violência física e de terrorismo (buscando inclusive dar ares ideológicos à sua atuação), enquanto o seguimento da máfia que ataca o erário nas três esferas da federação usa de outro tipo de violência, que também mata milhões de brasileiros por falta de saúde, de higiene, de educação, enfim de condições básicas e no mínimo esperadas.
Enquanto isto, a polícia brasileira, especialmente a dos Estados, tanto a militar como a civil, está impedida de agir mais efetivamente em razão do abandono em que tal sistema de segurança pública vive. Baixos salários, péssimas condições de trabalho, e falta de capacitação são somados a inexistência de uma polícia técnica capaz de substituir a truculência pela inteligência, o autoritarismo pela autoridade.
Os discursos repetitivos tanto no meio parlamentar como no executivo não provocam mais fios de esperança. Ao contrário, estabelece uma doença coletiva, que pode ser até mesmo diagnosticada como “Síndrome do Pânico”, razão do abarrotamento dos serviços psiquiátricos e psicológicos em quase todos os Estados brasileiros.
O custo da violência do Brasil ainda não foi detalhadamente calculado. Aqui e ali economistas apontam somas que dizem indicar o peso no nosso tão pequeno desenvolvimento.
Não creio numa solução mágica. O Estado brasileiro deve investir tudo que puder em políticas públicas, porém não pode descuidar de tratar de outro paciente agonizante que é a segurança pública. Os homens e mulheres que atuam no sistema de segurança estão sofrendo tanto quanto a população que vive a mercê da criminalidade, até porque eles são do povo, e apesar de estarem quase sempre armados, vivenciam a mesma sensação de medo e abandono.

O MAGISTRADO

O magistrado contemporâneo tem que ser por formação um humanista, tem que valorizar a vida e todas as suas circunstâncias; tem que conhecer os seus jurisdicionados – do mais humilde ao mais poderoso – para cumprir com imparcialidade, mas sem distanciamentos da realidade, o seu papel de julgador.
Deve agir com autoridade sem no entanto ser autoritário. Há de ser enérgico sem perder a ternura. Há de ser justo e respeitar o Estado de direito. Há de ser probo e compreender que o seu trabalho é servir ao cidadão.
Enfim, todo o dia ao adormecer deve tranquilamente repousar sua cabeça sobre o travesseiro com a consciência do dever cumprido.

terça-feira, 6 de março de 2007

O RESGATE DA ÉTICA

Anselmo Oliveira
O advogado na recente história republicana brasileira tem sido um personagem importante para garantir, ainda que minimamente, a vocação democrática do povo brasileiro.

Não foi sem motivo que o constituinte de 1988 fez inserir na Constituição vigente no Capítulo III que trata do Poder Judiciário, a seção III dedicada ao advogado e à defensoria pública, consideradas funções essenciais à administração da justiça ao lado do Ministério Público.

A indispensabilidade do advogado ou do defensor tem fundamento na cláusula pétrea das garantias constitucionais do processo, especialmente a ampla defesa e o direito ao contraditório, art. 5º, inciso LV, da CF.

Há de se reforçar o papel institucional do advogado para a efetividade dos direitos fundamentais, e também para o aperfeiçoamento do estado democrático de direito tão abalado nos últimos anos no plano interno pela crescente violência urbana, pelo aumento das desigualdades sociais, e pela ausência do Estado no enfrentamento das causas dos problemas.

A crise ética que abala a vida republicana com os episódios fartamente divulgados na imprensa nacional que empobrece o papel do legislativo brasileiro por seus membros que adotam posturas antípodas ao perfil do representante do povo brasileiro serve também de exemplo e fomenta a necessidade de profissões como do advogado, do membro do ministério público, da defensoria e do judiciário sejam formados desde os primeiros bancos escolares até aos cursos de educação continuada ou de aperfeiçoamento de se aprofundar o ensino da ética para formar um patrimônio ético-moral que dê sustentabilidade ao papel reservado pela Constituição.

Essa reflexão deve ser o ponto maior das comemorações do dia do advogado, do dia da criação dos cursos jurídicos no Brasil, do dia do magistrado, 11 de agosto.

Acredito que existem avanços e podemos comemorar por isso. Todavia, existem também muitos caminhos para percorrermos em busca do aperfeiçoamento da Justiça brasileira, começando pela formação acadêmica do bacharel em direito que deve primar pelo retorno do humanismo como resgate da ética e da cidadania sem esquecer a formação técnica mais fundada na ciência do direito do que apenas na repetição dos textos legais.

Devemos formar bacharéis que pensem o fenômeno do direito e não apenas se habilitem a decorar os artigos das mais diversas leis. Devemos nos esforçar para que o embate jurídico promovido pelos advogados nos processos seja de alto nível e de efetivo compromisso com a verdade e que se pratique o que determina o Código de Processo Civil brasileiro que vai ter como princípio a lealdade processual a ser obedecido pelas partes, e, especialmente, pelos advogados.

Enfim, que esta data possa sempre ser comemorada com a esperança de dias melhores.

SOCIEDADE E VIOLÊNCIA

Anselmo Oliveira




Os senadores e deputados brasileiros se assanharam com a repercussão de mais um caso estúpido de violência no Rio de Janeiro que vitimou a criança João Hélio.
O foco da imprensa nacional centrou fogo no debate sobre a necessidade da redução da maioridade penal em virtude de um dos acusados do latrocínio ser um adolescente de 16 anos.
Os políticos se apressaram em defender, de acordo com o momento emocional, o que era mais convenientemente do ponto visto eleitoral, ou seja, seguindo a opinião das ruas desesperadas com o nível insuportável da violência no Brasil.
Desejo convidar você para fazer uma reflexão a partir das causas que geram a violência, e não dos efeitos, pois estes nós já conhecemos.
A sociedade é parte dessas causas, e dela ninguém escapa à responsabilidade que tem neste processo gerador da violência, seja pela opção consumista e individualista que adotamos, seja pelo imenso vão que separa a elite dos mais pobres: a desigualdade é um dos fatores a instalar no dia-a-dia da sociedade a violência.
A sociedade também é culpada pela hipocrisia no tocante ao consumo de drogas – e não falo dos maconheiros e dos viciados em crack da periferia – falo daqueles que usam e os filhos também usam mas se sentem imunes à ação da polícia e da justiça pelo poder que possuem, seja econômico, político ou social, e à vezes se auto-proclamam não violentos.
A sociedade dá causa à violência quando uma parcela pequena e nem por isso insignificante se apropria dos recursos públicos via corrupção e desvios de verbas que deveriam ser utilizadas na educação, na saúde, no saneamento e melhoria da qualidade de vida do povo mais humilde.
A sociedade é culpada quando escolhem mal os seus representantes para o legislativo, e estes se preocupam apenas em se manterem no poder, em conquistar “currais” eleitorais, em aumentar o “poder de fogo” capaz de torná-los imbatíveis nas próximas eleições.
A sociedade é culpada quando escolhem pessoas para cargos no executivo que não tenham preparo intelectual e moral para gerir a coisa pública.
Os atos de selvageria e de brutalidade que estamos assistindo são apenas os efeitos, as conseqüências de atos e de omissões da sociedade e do estado brasileiro.
Mudar a lei desviando o olhar das causas do problema não reduzirá a violência.
Mudar a lei e manter o modelo falido do sistema penitenciário brasileiro, onde os grupos organizados de criminosos mandam, apenas aumentará a violência.
Mudar a lei para extravazar um sentimento de vingança e de medo que a sociedade experimenta nesse momento, apenas reduz momentaneamente a nossa dor, é como um analgésico para um doente terminal.
Necessitamos resgatar valores, reduzir a desigualdade, investir na educação fundamental de qualidade, desenvolver este país para criar mais oportunidades de inclusão social.
O resto é pura demagogia.